quarta-feira, 18 de junho de 2008

UM TEXTO NADA BREVE E NADA SUCINTO


Mês que vem a “neve” (pra bom curitibano, apenas uma palavra basta) completa 33 anos. Foi a segunda e última neve em Curitiba no século XX – a primeira foi em 1928.
Mesmo na era do aquecimento global, ainda estamos no aguardo por um repeteco.
Esse frio que anda fazendo somado às geadas dos últimos dias só fez reanimar o assunto (e a esperança) de todos os anos. Bom saber que algumas coisas na vida são constantes, como a lei da gravidade, o strogonoff do clube curitibano e o papo sobre a neve... O fato de que neve é algo tão chato quanto areia para quem convive com ela no dia-a-dia é coisa que devemos bloquear da cabeça; afinal, quebra todo o romantismo da história.


MIL NOVECENTOS E SETENTA E CINCO

De todas as músicas no CD (e são15!), “mil novecentos e setenta e cinco” é a que recebe a resposta mais, digamos, emotiva. Volta e meia alguém vem me falar de como gosta da música, e os comentários invariavelmente vêm acompanhados da história da pessoa em relação à neve – mesmo quem não tinha nascido, era muito criança pra lembrar ou não estava aqui tem a sua relação particular com aquele 17 de julho. Gosto quando esse tipo de reação acontece e entendo bem o sentimento. Como diz a primeira estrofe, “eu não estava aqui em 1975”, mas isso não impede que o evento tenha significado pra mim. Se não tivesse, não tinha feito a música.

Aquela neve marcou uma geração e traumatizou inúmeras outras que vieram e que ainda virão. Não consigo me lembrar de um único inverno - nem mesmo quando estava na pré-escola - em que uma possível neve não fosse assunto constante. Tendo as esperanças frustradas todos esses anos, seria de se esperar que 75 tivesse aquele gosto de ressentimento, mas o que sinto (e o sentimento parece ser unânime entre os “pós-1975” com os quais falei sobre o assunto) é uma espécie de carinho. Estranho, eu sei. Carinho por um evento que não mudou a história do mundo, que a gente não presenciou, que não afetou a história das nossas famílias... Mas é carinho, mesmo assim. Eu, por exemplo, até me emociono vendo as fotos. Sou uma “emo” total, no sentido mais nerds da palavra. Mas o que mais se podia esperar de um grupo de amigos que forma uma banda só pra cantar sobre a sua cidade???

Como se já não tivesse falado o suficiente, queria deixar também uns comentários sobre a própria música, já que tem umas pessoas que parecem interessadas:
Cresci ouvindo histórias dessa neve dos meus pais e avós. Fazer bonecos de neve, tentativas de andar de trenó, guerras de bolas de neve. Isso sem contar as fotos no álbum de família... Um dia misturei todas as lembranças que tinha das lembranças dos outros e a música acabou sendo o resultado. Sabia que ela tinha que ser num estilo meio balada, nada animado ou pesado. Tinha acabado de comprar uma escaleta (uma espécie de pianinho de sopro) e estava decidida a colocar na música – acho que o resultado final ficou legal, pois o som dá uma linha melódica pra música e uma idéia meio nostálgica. O mesmo pode ser dito para o solo do Gustavo.

Sobre a letra, creio que a idéia geral dela é um tema sempre recorrente para mim: a nostalgia pelo tempo que não se viveu. Neste caso, a Curitiba que não conhecemos. O que existe dela hoje? O quanto somos produtos dela? A neve foi o instrumento perfeito para falar disso. Em muitos pontos eu me lembro de “exílio” (outra canção que está no CD) ao cantar esta música. O sentimento é o mesmo em muitos pontos: o querer ir embora e ao mesmo tempo não querer estar longe, a idéia que fazemos do lugar em oposição com a realidade que vivemos naquele lugar, a nostalgia, a brevidade, a solidão. Pode parecer deprimente, mas não acho que na prática seja assim. Na prática, afinal, a teoria é outra, e o que pode parecer deprimente na música passa batido no dia a dia.

Posso não ter presenciado o evento principal da música, mas a neve de 75 fez tanto parte da minha vida que é como se fosse uma obrigação cantar sobre ela (e lá vêm mais lembranças: japonas do colégio, botas sete léguas, toucas joana d’arc, ceroulas por baixo do uniforme – todos preparados para a neve que nunca chegou). Quando alguém viajava nas férias de julho, adorávamos provocar: “pode viajar, mas vai perder a neve!”. Acho que nunca vou poder viajar tranqüila no meio de ano, trauma de infância que não vai se curar jamais. Nem o aquecimento global é capaz de me acalmar. E se nevar? Neve em Curitiba bem quando eu não estou lá pra ver, como é que eu vou poder encarar meus filhos e netos no futuro?

Acabou que esse texto saiu bem parecido com a música: longo, emotivo, pessoal e só faz sentido pra quem já se sentia assim. Nada breve e nada sucinto, como canta o refrão da música e como foi a neve de 1975.

Sem querer desmerecer algo que eu mesma escrevi, mas a resposta positiva que “mil novecentos e setenta e cinco” alcança tem muito mais a ver com a nostalgia do evento em questão do que com a qualidade da música... Por mim, tudo bem.




Crédito das fotos: http://canais.rpc.com.br/odiadaneve/

2 comentários:

Marcelo disse...

Realmente, é uma música que causa emoçao, não atoa é a predileta de todas as "mães" he he...

Alais, como primeiro post, queria dizer que a idéia do blog é muito boa...

Vamos tentar deixar atualizado sempre que possível!

Rui Bittencourt disse...

Ah! Vocês são maus!
Vou ter que digitar a letra toda ouvindo a música.
É muito boa!
Muito mesmo, uma das letras mais bem feitas que me lembro...